
Diário de um utente na linha de Sintra
(8:00) De volta do jornal gratuito, bela maneira de começar o dia. Sempre pautado por reportagens de fundo, muito além da espuma dos dias.
(08:15) Mercês. Torres a perder de vista, o charme cosmopolita de uma Manhattan na Faixa de Gaza, a merecer visita demorada.
(08:23) O grito cru de revolta contra a máquina opressiva de um Estado securitário.
(8:40) Lindíssima nesta altura do ano, a Reboleira é conhecida lá fora como a “Paris da Linha de Sintra”.
(08:45) O frio metal da porta é humanizado pela mensagem de desespero, retrato vivo de uma sociedade conturbada em tempo de crise.
(9:00) Último retoque antes da saída da estação, verdadeira razão para o declínio da profissão de engraxador.
(18:35) De regresso a casa, apanho de fugida o “Abominável Homem das Neves”, ou neste caso, a sua senhora. Os cépticos insinuam que é Photoshop, que o rabo é demasiado grande mesmo para uma criatura mítica.
(18:38) Incontornavelmente os últimos a ser preenchidos, os bancos reservados às grávidas são tão populares como um miúdo piolhoso no recreio da escola.
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18:43) “A Bela e o Monstro”, musical que retrata a bonita história de amor entre Seal e Heidi Klum. Até ao divórcio.
(18:45) “Fuck FMI”, “Amo-te Ana”. O mapa das estações é também geografia de sentimentos, amor e ódio numa sobreposição desconcertante.
(18:50) Nem todos gostamos de fado, o comboio é também santuário da diversidade de opinião.
(18:55) Espaço de partilha de afectos e emoções, rede social viva.
(19:00) Um utente partilha toques de telemóvel com a restante comunidade, uma relíquia viva dos anos 90.
(19:05) Regresso a casa. Muito frequente, o utente sentir no pescoço o bafo quente de um outro que quer passar sem bilhete, encostado firmemente ao seu corpo. Um nicho paradoxalmente inexplorado pelas agências matrimoniais. Até quando?